A área dedicada ao povo mineiro tem uma mão e três cabeças cenográficas, sobre as quais se projetam vídeos relativos à presença dos negros, índios e imigrantes
Cenografia teatral torna acessível trabalho de pesquisa
O Memorial Minas Gerais Vale, inaugurado em novembro de 2010, consolida a carreira de Gringo Cardia na concepção de museus interativos. Ele foi o responsável pela curadoria, museografia e design do espaço cultural, que tem a missão de narrar a história e a cultura do estado do século 17 à atualidade. Vídeos e cenografia teatral ou moderna foram as ferramentas para transformar muita pesquisa em linguagem palatável ao grande público.
Anteriormente cotado para sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (a proposta de Humberto Hermeto, vencedora de concurso em 2005, não foi adiante), o antigo edifício da Secretaria das Finanças, em Belo Horizonte, destinou-se a abrigar o Memorial Minas Gerais Vale, cujo projeto foi encomendado em 2008 a Gringo Cardia.
A tarefa de conceber a ocupação do edifício eclético de três pavimentos, inaugurado em 1897, resultou num “trabalho autobiográfico”, brinca Cardia, já que envolveu conhecimentos de cenografia e direção de arte para o palco, arquitetura, fotografia, design gráfico e curadoria de arte, algumas das áreas a que se dedicou desde os anos 1970 esse arquiteto de formação.
O estilo de Cardia na estruturação e apresentação do conteúdo do Memorial Minas Gerais Vale se traduz em certa representação teatral e nalinguagem pop, aliadas à tecnologia de ponta.
A ambientação dos espaços é multissensorial - visual, tátil e sonora -, estruturada por três eixos temáticos: a história (Minas Imemorial), a cultura (Minas Polifônica) e o modernismo (Minas Visionária), que se misturam nos três andares da edificação.
É o que Cardia denomina museu em legendas, com temas condensados em núcleos cenográficos e multimídia. “O público contemporâneo entende por notas”, opina o curador, que dedicou grande parte do trabalho à concepção de mais de meia centena de vídeos e das instalações interativas.
A equipe do arquiteto Humberto Hermeto trabalhou também na concepção do memorial. Foram responsáveis, por exemplo, pela arquitetura do pátio central e aberto, com suas vedações de aço corten, elevador panorâmico e blocos envidraçados
Fotografia aérea que mostra lado a lado o Memorial Minas Gerais Vale (à direita) e o Museu das Minas e do Metal
A mesa multitoques é o destaque da sala Modernismo Mineiro
O trabalho foi feito a muitas mãos. Participaram, por exemplo, o arquiteto Humberto Hermeto e 19 pesquisadores do Projeto República, de 2001, da Universidade Federal de Minas Gerais, orientados pela professora Heloísa Starling.
A estes juntaram-se 52 consultores, de professores da UFMG a especialistas nos temas tratados - como a consultora de moda Glória Kalil, que orientou o vídeo sobra a moda mineira a partir dos anos 1950.
Para os historiadores, o grande mérito é ver seu trabalho transformado, sem perda de densidade, no que Heloísa chama de forma encantatória. “Perdem aqueles que pensam que a linguagem do teatro é apenas um adereço, que se trata de montar o texto e, depois, simplesmente procurar uma imagem ilustrativa”, ela avalia.
Grande parte do conteúdo provém de fotografias de época, pinturas, escritos, documentos históricos, enfim, registros bidimensionais. Segundo Fábio Arruda, que trabalhou na concepção dos vídeos, o desafio foi transformá-los em imagens lúdicas, em movimento.
Com o trabalho de consultores, historiadores e cenógrafos, elas ganharam requintes de realidade, como na sala que trata das vilas setecentistas mineiras, na qual uma grande maquete reproduz a topografia e o casario.
O espaço de convivência, no térreo, tem conexão direta com o pátio aberto
O memorial presta homenagem a artistas mineiros que conquistaram notoriedade mundial, como Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Sebastião Salgado e Lygia Clark
A abordagem multimídia incluiu a representação do ciclo diário nessas realidades remotas, o que colocou historiadores à pesquisa, por exemplo, dos vários sons mecânicos e de animais daqueles tempos.
Mas os destaques são os ambientes interativos, como a Caverna Rupestre e a sala do Modernismo Mineiro. Na primeira, blocos de gesso de alta densidade, estrutura metálica e muita tinta e massa plástica adquiriram a aparência de uma verdadeira caverna - inspirada na paisagem de Peruaçu, em Minas Gerais - sobre a qual foram projetadas imagens de pinturas pré-históricas.
Ao serem tocadas ou quando encontram a silhueta luminosa do observador, elas entram em movimento.
Já no universo do modernismo há a grande mesa orgânica multitoques. Nela, círculos coloridos organizados em três profundidades visuais armazenam apresentações sobre determinados aspectos do modernismo em Minas Gerais, no Brasil e no mundo, que podem ser acessados individualmente ou conjugados em grupos.
Já no universo do modernismo há a grande mesa orgânica multitoques. Nela, círculos coloridos organizados em três profundidades visuais armazenam apresentações sobre determinados aspectos do modernismo em Minas Gerais, no Brasil e no mundo, que podem ser acessados individualmente ou conjugados em grupos.
Quando o usuário junta três círculos, por exemplo, ativa-se uma apresentação audiovisual. Esse trabalho foi feito em parceria com o escritório Super Uber, responsável também por toda a automação do museu.
Detalhe da sala em
homenagem a Carlos
Drummond de Andrade
homenagem a Carlos
Drummond de Andrade
Midiateca e café temático são parte do setor de socialização, no térreo
Gringo Cardia alerta que o propósito de seu trabalho foi mesmo criar um estranhamento, um choque entre preservação/ restauro e moderno/tecnológico.
A cenografia invisível, portanto, convive com a teatral e de grande visibilidade. Por isso as cores intensas e a iluminação futurista, a cargo de Peter Gasper, fazem par com o cuidadoso trabalho de preservação do edifício, sobretudo em sua porção frontal.
Mas para o curador o mais importante é que os moradores se sintam à vontade no memorial, para o que, além da programação estendida em horário, foi recuperado o pátio central e aberto, em conexão direta com a praça envoltória.
A relação completa dos profissionais envolvidos no projeto e informações sobre a programação do memorial podem ser obtidas no sitewww.circuitoculturalliberdade.mg.gov.br.
Texto de Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 374 Abril de 2011
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 374 Abril de 2011
Estágios da interatividade da Caverna Rupestre
Na sala Vilas Setecentistas, cenografia e multimídia completam-se
Imagem do momento de interação entre imagem e cenário na sala Fazenda Mineira
O recorte e a composição de camadas sobrepostas, ferramenta presente na produção de Cardia desde os anos 1970, faz a transição dos caminhos históricos para o ecoturismo mineiro
O colorido intenso é a marca do espaço dedicado à arte e ao artesanato do Vale do Jequitinhonha
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